segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

PRÉ-SAL... UM POEMA DE ALERTA

Celebrem! Cantem! Lancem serpentinas! Desfilem
O petróleo é nosso! O pré-sal é um presente!
E o Cristo no Corcovado de braços imensos, abertos,
grandeloquente metáfora da imensidão das jazidas!

Mas não seria bom recordarmos das imagens de guerras terríveis:
A vietnamitinha, por exemplo, braços erguidos, queimados pelo
napalm leitoso a lhe desenhar mil feridas?! E os afegães derrotados
jogados na argila ancestral aos milhares, corpos largados sem vida?!
E as viuvas do Iraque, de uma Bagdá à deriva, mulheres aniquiladas?!

Celebrem! Cantem! Lancem serpentinas! Desfilem!
O pré-sal é nosso! O pré-sal é um presente...
Mas cantem baixo! Sussurrem! Impérios escutam nas sombras.
Petróleo desperta a libido! Satélites nos céus nos vigiam!

sábado, 17 de dezembro de 2011

UM ROÇADO VERDINHO LÁ NA SERRA

LIGEIRA INTRODUÇÃO: Aucélia, sobrinha do Gouveia, da última vez que veio de Fortaleza nos visitar, trouxe-nos este texto manuscrito, desbotado pelo tempo, que fora encontrado nos guardados da família. Resolvi transcrevê-lo “ipsis litteris”, mantendo inclusive eventuais erros, pois espelham a idade e a fase escolar do autor, que era apenas um menino, à época. Quando o escreveu, estava gozando suas primeiras férias, após ingressar no Seminário Menor Arquidiocesano de Fortaleza. Já denunciava, no entanto, o que seria quando crescesse: aquele menino é hoje o escritor Gouveia de Hélias. (Marlene Noronha)


“UM ROÇADO VERDINHO LÁ NA SERRA


De calças curtas, pé no chão, eu era feliz como o são os meninos pobres sem ilusões: um dia seria grande e teria verdinho lá na serra um roçado bem maior que o de papai. O tempo corria e eu brincava pelas mangueiras vendo o rio correr indiferente e calmo por entre as pedras. Quase não percebia que ia crescendo e já não brincava só. Não sei, no entanto, de onde apareceu aquela minha companheira que as vezes me chamava de “tio”. Era uma pequena travessa e inteligente que me irritava com suas garrulices dengosas. Foi bonito o meu sonho de menino pobre. Nosso reino era as sombras das mangueiras, cada tronco guarda um pouco daquela infância que deixamos esquecida.

Fomos crescendo. Eu já entendia então que o céu não mais encostava nas serras embora minha amiguinha não se convencesse: um dia, uma menina apareceu lá por casa. Vinha, dizia ela, da “cidade grande” “lá havia carros bonitos” “nas noites de Natal um bom velhinho barbudo dava presentes.” Olhei para minha sobrinha. Como gostaríamos de ver um carro de perto. Aqui raramente passava na estrada, mas apesar de subirmos no genipapeiro da cozinha só conseguíamos ouvir o barulho. E papai Noel? Esse nunca esperamos. Sentíamos que o tal velhinho não gostava mesmo dos meninos pobres da serra. Havia por aqui um velhinho o “Maximiano”, mas esse coitado ainda que papai Noel da cidade o quisesse como representante nessas brenhas, ele não poderia ao menos com o saco de presentes.

Vivemos assim sem papai Noel, sem presentes, sem Natal. Os dias passavam-se. Dei preferência à menina que tinha visto coisas bonitas e morava na cidade grande. A outra a que por primeiro unira-se a mim para vencermos a solidão de uma infância sem brinquedos e sem companheiros, essa, nas nossas brincadeiras seria então, apenas vizinha numa casinha que eu engendrara de mau gosto, distante, bem distante da nossa. Hoje somos grandes. Tive de partir para um mundo conquistar nem sei pra que. Já não gosto da cidade grande, mas aprendi a fingir, tudo porque fui além de ‘um roçado verdinho lá na serra’ ...”

domingo, 19 de dezembro de 2010

O PERFUME DAS ANANÃS

A História de Amor de COEME e MAIARY


Aconteceu entre os povos do Alto Xingu, na planície do Morená; uma região reservada aos espíritos...

Coeme, o jovem kamaiurá, vivia triste por temer jamais experimentar as alegrias do amor, devido ser frágil e não apresentar um corpo avantajado e guerreiro. Porém, no dia em que a aldeia celebrou o final de sua puberdade, Inapê, o velho pajé, depois dos transes e consultas às entidades do Morená, trouxera-lhe feliz vaticínio: “Alegre-se! No dissipar das águas, pela safra dos pequizeiros, Coeme encontrará sua alma-irmã! Flores em abundância enfeitarão o dia especial de Coeme!”

Ao chegar o final das chuvas, toda a gente kamaiurá fora convidada para a festa do pequi na aldeia dos kuikuros e foi nessa ocasião que se confirmou o que vaticinara Inapê: Coeme conheceu Maiary. Magicamente, ao redor da taba, as quatro estações do ano processaram-se de uma só vez: ipês e manipuçás cobriram-se barulhentamente de flores. Na parte da manhã, houve pajelança e celebração aos passarinhos que anunciavam as boas safras do pequi e Coeme fizera par com Maiary. Na praça da aldeia, transcorria a festa de agradecimento pela abundante colheita e nos intervalos entre as danças, os dois namorados conversavam e riam. Mas sabiam que ao chegar a tarde teriam que se separar. Para kuikuros e kamaiurá, embora as animosidades de outrora houvessem sido esquecidas, uma proibição persistira: nenhuma união duradoura poderia existir entre os membros das duas tribos. E kuikuros e kamaiurá jamais desrespeitaram tal regra. Cientes dessa proibição, Coeme e Maiary resolveram viver naquele dia toda a eternidade possível. Detalhe por detalhe, as características do rosto sereno da moça ele as decorou e celebrou; fez juras de nunca mais esquecer. O perfume que se desprendia dos cabelos da namorada, que lembrava ora o cerne da gameleira, ora a essência da ananã, inebriou o kamaiurá; ensejou que ela lhe revelasse um segredo: “Quando a lua cheia aflorar entre as árvores, que indicará a safra das ananãs aromáticas, eu irei ao Morená proibido.” Coeme viu na confidência de Maiary um convite para um reencontro futuro.

Com gritos que traduziam satisfação e amizade, ao findar a festa, os kamaiurá deixam os kuikuros. No aceiro da taba, Coeme ainda se voltou e experimentou os derradeiros aromas exalados por Maiary. Mas, à medida que se distanciava da aldeia e penetrava o nevoeiro, via as distâncias lhe roubarem as fragrâncias tão cuidadosamente guardadas.

Nos dias que se seguiram, os kamaiurá compadecidos preocupavam-se com a tristeza de Coeme. Inaquê, o velho pajé, entendedor da natureza em transição do adolescente, acalmava seu povo: “Deixem Coeme! Os bons espíritos lhe concederão o esquecimento.” A par das saudades, seu corpo franzino, que estava longe de revestir-se da resistência guerreira, propiciava ainda mais desalentos. Algumas vezes, laivos de um contentamento inconstante lhe invadiam a alma, – reduzidas emoções de sentimentos fugazes – mas, somente quando se embrenhava na mata. No meio da floresta densa seu coração se apaziguava. Olhos e mente se compraziam na abastança do verde. O quebrar da folha d’água dos mansos igarapés levava-o à paz momentânea. No mais, em sua insatisfação sem jeito, tudo tinha a insalubridade do inverno. Andava, andava, o mato era seu lenitivo. Mas, a tarde tão esperada chegou! Aflorou a lua cheia entre as árvores; era a época das ananãs perfumadas. Na manhã seguinte, quando toda a sua gente ainda se resguardava da umidade do nevoeiro, Coeme enfeitou-se com seu cocar mais vistoso e partiu para o Morená. Ao encontrar-se na planície sagrada, andou, andou até que ouviu o transpirar do caudaloso Coluene. Quedou-se, passou horas a observar o intransponível estuário. Reconheceu no outro lado do rio, no começo do território kuikuro, a plantação de ananãs aromáticas, mas não avistou Maiary. Esperou toda a tarde. Ao cair da noite, voltou desconsolado à aldeia. Por sete luas retornaria às barrancas...

Foi somente por ocasião da grande enchente que abarrotou o rio Coluene – já na oitava lua – que Coeme viu configurar-se a silhueta de Maiary. O perfume que se desprendia dos cabelos da garota kuikuro chegou à margem onde se encontrava o rapaz e a emoção dominou suas almas. Através de acenos, comungaram todos os sentimentos da mata e, igual ao dia em que se conheceram na aldeia, ipês e manipuçás cobriram-se magicamente de flores. Separados pela grande enchente, permaneceram por toda tarde numa contemplação desmedida... Imaginam os xinguanos que foi ao chegar a noitinha, no momento de se dizerem adeus, que Coeme e Maiary tiveram o pensamento em comum de não mais retornarem sozinhos aos seus lares! Porém, um dilema se lhes apresentara ao pensarem na regra ancestral que proibia a união entre membros das duas tribos. Imagina-se então que foi frente a esse dilema que optaram por morrer juntos, único passo capaz de lhes juntar para sempre. Em um imperceptível impulso, pulam e, enquanto se entregam às forças vorazes da correnteza, acontece o que os povos da floresta iriam denominar de intervenção dos espíritos: uma força bondosa surgida do Morená barra repentinamente o estuário. Naquele instante, os redemoinhos tornaram-se brandos e Coeme e Maiary foram poupados e tiveram seus corpos mudados para que pudessem boiar e assim viver sua proibida união sobre as águas...

Hoje quem visitar o Alto Xingu, no trecho onde o Coluene se alarga, separando o território Kuikuro do território Kamaiurá, há de ver Coeme e Maiary: ele transformado em ágil e soberbo guerreiro, ela como flor bela e viçosa, a imponente vitória-régia. Ver-se-á Coeme indiferente às intempéries ondular suave em imperceptíveis remansos. Fascinado, ele não para de olhar para a flor que enfeita e perfuma as águas serenas do rio.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AGRADECIMENTO

A todos que compareceram ao lançamento do livro "DIAS SEM COMPAIXÃO", no último dia 30/10/2010, na Casa de Cultura Tendal da Lapa, queremos expressar nossos agradecimentos. Embora o objetivo principal fosse o lançamento do livro como é realizado de praxe, o evento fugiu do tradicional. Houve show musical e de poesia, um conteúdo, enfim, cultural e bastante diversificado.

Aos que quiserem adquirir o livro DIAS SEM COMPAIXÃO com autor, o e-mail é:
gouveiadehelias@yahoo.com.br.

domingo, 17 de outubro de 2010

Convite: Lançamento do Livros "Dias Sem Compaixão"

Gouveia de Hélias traduz sentimentos compassivos em “Dias Sem Compaixão”


Escrito por Gouveia de Hélias, “Dias Sem Compaixão” traz um apanhado de histórias de cunho regionalista, privilegiando certos personagens do período do cangaceirismo e traça ligeira biografia de Lampião. Traz igualmente histórias urbanas que encerram crítica à excessiva violência hodierna.

O poeta e músico pernambucano Mauri de Noronha declara que “Dias Sem Compaixão” o fez compreender com mais clareza a vida própria do seu sotaque nordestino, “que permanece presente apesar do tempo e da distância. Cada uma das cenas narradas pelo autor me é peculiar como se fosse meu, cada torrão ressequido da estrada, cada dor e cada amor conquistado e o amor desfeito”.

Em “Dias Sem Compaixão”, transborda a alma sertaneja e a inesgotável fonte de sonhos brota dos mandacarus, dos leitos vazios dos riachos e da essência de Gouveia de Hélias, capaz de tratar das amarguras com a benevolência das mães.

Sobre o autor

Gouveia de Hélias é formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, onde também frequentou o curso de História Antiga. Tem contos e ensaios veiculados em publicações culturais e revistas eletrônicas. Lança agora seu primeiro livro “Dias Sem Compaixão” e já tem pronto para publicação uma nova obra, intitulado “Através da Borborema”, uma alegoria burlesco-fantástica.

Lançamento do livro

O lançamento do livro acontece no próximo dia 30 de outubro, às 19h, no Espaço Cultural Tendal da Lapa.

Além da presença do autor, o lançamento contará com uma apresentação de música e poesia com Mauri de Noronha, Ojana Gouveia, Santiago Dias e convidados. Eles apresentarão canções próprias e clássicos da MPB, como Luiz Gonzaga, Catulo da Paixão Cearense e Belchior.

Sobre os músicos

Mauri de Noronha, nascido em Garanhuns-PE, é poeta, cantor e compositor. Publicou dois livros de poesia: “Caminhos do sol” e “Mauri de Noronha Vagabundo da Silva”. Também lançou dois CDs: “Mauri de Noronha e os Habitantes da Terra” e “Índio Branco de Alma Negra”. Todos concebidos de forma independente.

Ojana Gouveia é natural da capital de São Paulo, tem formação em violão clássico, técnica que atualmente leciona. Suas influências vão dos clássicos a cantores da MPB, como Fagner, Ednardo e Belchior.

Santiago Dias, nascido em Minas Gerais, é poeta, compositor e ator. Em São Paulo vem transitando por casas de renome como Memorial da América Latina, Centro Cultural Vergueiro e Teatro Mazzaropi.

Serviço

Lançamento do livro “Dias Sem Compaixão”, de Gouveia Hélias
Espaço Cultural Tendal da Lapa
Rua Guaicurus, 1100 – Lapa
Dia 30/10, às 19h, entrada gratuita
Valor do livro: R$ 24,90

Dados do Livro

ISBN: 978-85-7869-168-4
Editora: LivroPronto
Edição: 1
Publicação: 2010
Encadernação: Brochura 14 x 21 cm
Número de Páginas: 180

Contato

Gouveia de Hélias: gouveiadehelias@yahoo.com.br
Imprensa: danielle.jornal@hotmail.com

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Clic no marcador ao lado o texto que você deseja ler.
.
.
A MORTE DE LAMPIÃO
.
.
Depois de muitas tropelias, fugas, refregas com os poderes constituídos; depois de terem experimentado a grande aventura do amor, Lampião e Maria Bonita vêem sua boa estrela apagar-se. Foi numa madrugada do ano de mil, novecentos e trinta e oito. O cerco que os aniquilaria aconteceu na propriedade denominada Angico, no interior do estado sergipano. No dia em que foram sitiados, o bando havia acampado em uma clareira, às margens de um córrego na propriedade de um amigo. Surpreendidos, quedaram-se sem reação, pois nem um amiudar do latido dos cães os alertou da aproximação dos soldados.
.
Na carnificina que se instalou, Maria Bonita caiu ao lado de Virgulino, depois de ter gritado dramaticamente seu nome. Pouquíssimos bandoleiros escaparam do massacre. Aqueles que não conseguiram fugir e ficaram presos na armadilha foram metralhados e, em seguida, degolados. Finda a missão, a volta dos soldados com suas fardas manchadas de sangue e armas acintosamente expostas, ficou gravada na memória dos sertanejos. Os versos de um cantador plasmaram aquele irrealístico momento:
.
Eis que lá se vão as milícias
Em marcha e armas na mão
Metralharam os do cangaço
Sangraram a faca e facão
Somente depois da degola
Deram por finda a missão.
.
O vilarejo de Angico ficaria marcado. As pedras do leito seco do rio permaneriam por muitos anos escarlates como para lembrar o morticínio. O lugar seria apontado como "o campo da cisalde".
.
Segundo depoimentos posteriores, no ataque ao bando, as metralhadoras dos soldados matraquearam durante minutos. Somente silenciaram quando o coronel João Bezerra, um dos combatentes de maior autoridade no cerco, tivera certeza de que todos no acampamento já haviam sido abatidos. Depois de metralhados foram degolados e suas cabeças ficaram expostas por muitos anos em um museu da Bahia.
.
Com o massacre de Angico, fechava-se o ciclo romanesco do cangaceirismo brasileiro. Naquela madrugada, por força de um intermitente fogo inimigo, tivera fim o imprevisível caso de amor de Lampião e Maria Bonita.
.
.
*